PRAÇA XV: ONTEM, HOJE E SEMPRE

Praça XV de 1580 A 2002: Um Passeio no Tempo

A Praça XV é, com certeza, o espaço urbano mais significativo existente no Rio de Janeiro. Sua importância histórica só rivaliza com o desaparecido morro do Castelo, berço da cidade. Nela permanecem inteiras, muitas das mais antigas construções. O que se passou nesse lugar ao longo de seus quatrocentos anos, representa mais do que qualquer outro, a presença da colonização portuguesa no Brasil. Representa também a evolução da alma cosmopolita do carioca.

Produzidas a partir de pesquisa histórica detalhada, esta série de imagens nos leva a uma surpreendente viagem no tempo, passeando gostosamente pelo passado da praça desde seus primórdios.

Nesta edição foram incluídas duas novas ilustrações: a primeira é uma revisão da imagem de 1580 onde foram acrescentadas, entre outras coisas, a praia que não aparecia nas edições anteriores; a segunda representa a Praça XV em 2002 e as modificações ocorridas nela desde 1988.

1580

Nessa época a recém-fundada cidade do Rio de Janeiro limitava-se ao morro do Castelo e abaixo, na várzea, onde hoje se estende o centro da cidade, dominavam manguezais e lagoas.

Um dos primeiros caminhos abertos nessa várzea seguia margeando a praia, ligando o morro do Castelo ao de São Bento e era chamado de rua Direita. Beirando esse caminho, havia uma pequena ermida chamada Nossa Senhora do Ó e, anexo a ela, uma construção rústica destinada aos romeiros. Mais além ainda podiam ser vistas as ruínas de um pequeno forte construído de madeira e pedra, provavelmente para defesa de eventuais ataques indígenas. Chamado de Santa Cruz, fora destruído pela ação do mar e suas pedras foram utilizadas posteriormente nas fundações da Capela da Santa Cruz dos Militares, erguida no mesmo lugar.

1620

Em 1590 a Ermida de N. Sa do Ó passou a abrigar, por um curto período, os recém-chegados monges da Ordem do Carmo que logo obtiveram como doação o então morro de Manuel de Brito, atual morro de São Bento. Não muito tempo depois vieram os frades beneditinos que gostaram do lugar à beira do mar. Acabaram por conseguir a doação da dita ermida e de uma vasta área em volta. Em 1619 iniciaram os frades a construção de seu Convento do Carmo.

Com o recuo do mar através de pequenos, mas sucessivos aterros e com a construção de casas do outro lado da rua, como a casa da família Teles de Menezes, foi-se delineando o Terreiro do Carmo. Posteriormente, foi instalado no mesmo terreiro o pelourinho, ou polé, quando passou a ser denominado Terreiro do Polé.

1750

A Casa da Moeda foi transferida da Bahia para o Rio de Janeiro em 1699 e, depois de muito perambular por prédios provisórios, foi finalmente instalada no lugar das pequenas casas existentes em frente ao Convento do Carmo. Adiante, na direção do mar, foram construídos na mesma época os armazéns reais pelo então governador Aires de Saldanha. Seu sucessor Gomes Freire de Andrade escolheu o local para construir a Casa dos Governadores. O projeto foi confiado ao Brigadeiro José Fernandes Pinto Alpoim, também construtor dos Arcos da Carioca e do Convento da Ajuda. O edifício foi concluído em 1743 e Gomes Freire residiu nele até sua morte em 1763. Nessa mesma época foi erguido no meio do terreiro um pequeno chafariz, utilizando água desviada do Chafariz da Carioca por meio de um cano em cuja direção foi aberta, mais tarde, a rua do Cano (atual rua Sete de Setembro). Simultaneamente, o mesmo Brigadeiro Alpoim, em terreno dos Teles de Menezes, construiu o casario do outro lado da praça com o objetivo de regular a simetria do lugar. No meio deste novo prédio foi aberto o Arco do Teles, para dar passagem à uma estreita rua já existente.

A pequena Ermida de N. Sª. do Ó havia desabado muito tempo atrás e em seu lugar surgiu a Capela de N. Sa. do Carmo, uma igrejinha simples que não tinha campanário.

Com a descoberta de ouro em Minas Gerais e por sua boa localização geopolítica, o Rio de Janeiro passa a ser sede do vice-reinado e a Casa dos Governadores transforma-se na sede do vice-reinado até o início do século XIX.

1790

Nesse tempo funcionava num dos sobrados dos Teles de Menezes o Senado da Câmara que ali se instalara há mais de trinta anos. Os andares térreos eram ocupados por lojas de mercadores. Numa noite de 1790 irrompeu em uma destas lojas um incêndio que rapidamente se espalhou pelo prédio atingindo o Senado, onde se perdeu imensa quantidade de arquivos sobre a cidade e sua história. Este fato nunca ficou bem esclarecido, uma vez que destruiu documentos controversos sobre a origem de posses territoriais, o que levantou a hipótese de incêndio criminoso.

O acanhado chafariz existente no centro da praça foi substituído por outro próximo ao mar, à beira do novo cais, a fim de facilitar a coleta de água pelos navios fundeados e dar espaço para manobras militares. Projetado por mestre Valentim, a mando do vice-rei Luís de Vasconcelos, o belo conjunto deu encanto todo especial ao local.

A Ordem Terceira do Carmo edificou seu próprio templo ao lado da Capela de N. Sa. do Carmo mas suas torres esperaram oitenta anos para serem concluídas.

Ao lado do novo cais, à direita, funcionava o mercado do peixe, onde embicavam as canoas trazendo peixe e produtos da lavoura. A mercadoria era vendida em barracas rústicas e sem nenhuma higiene. Este comércio, autêntico precursor das feiras livres, sobreviveu por muitos anos apesar das várias tentativas de extinguí-lo.

1840

Com a chegada da família real portuguesa em 1808 e sua consequente instalação na antiga Casa dos Governadores, agora chamada de Paço Imperial, o velho Terreiro do Polé, cujo nome mudou para Terreiro do Paço, tornou-se o centro de poder do império português. O antigo Mosteiro do Carmo é anexado ao Paço através de um passadiço sobre a rua Direita.

Outro passadiço é erguido sobre a rua do Cano, ligando o mosteiro às dependências da Igreja do Carmo, tornada então Capela Real e Catedral do Rio de Janeiro. Por um bom tempo o rei D. João VI e sua corte permaneceu residindo ali, até sua mudança para a Quinta da Boa Vista.

Com projeto de Grandjean de Montigny foi construída a Praça do Mercado, em substituição ao velho mercado do peixe.

Frequentado por todo tipo de gente e sempre muito movimentado, nesse pitoresco mercado se vendia e se trocava tudo.

O cais de mestre Valentim tornou-se logo inoperante pela baixa profundidade. Para contornar o problema da coleta de água pelos barcos, foi construído um tosco bicame de madeira avançando em direção ao mar.

1870

o problema da inutilidade do velho cais do mestre Valentim já tinha sido resolvido com o avanço do porto para mais adiante, por meio de aterros. O novo cais, chamado cais Pharoux, já era utilizado como ponto de partida de linhas regulares de barcas para Niterói e outros pontos da baía, Foi um tempo em que a Praça já não tinha importância como centro de poder, mas em compensação mantinha-se cada vez mais movimentada, ruidosa e caótica, frequentada por todos os tipos populares em torno da velha Praça do Mercado. É interessante notar o uso da cor nos prédios em alternativa ao branco usado em todo o período colonial. Nesse ano o Largo do Paço muda novamente de nome e passa a ser chamado de Praça D. Pedro II.

1910

Em sintonia com os novos tempos, a praça, assim como toda a cidade, sofreu uma radical mudança. Surgia um novo conceito urbanístico com avenidas largas e arejadas. O aparecimento de árvores como elemento urbano contrastava com o árido cenário colonial, tornando o lugar agradável com direito a coreto e jardins. Passava agora a chamar-se Praça XV de Novembro. A agitada Praça do Mercado, finalmente desativada, aguardava demolição. Sua roda de frequentadores se deslocara para o novo mercado a uma centena de metros dali, deixando o lugar bem mais tranquilo e civilizado. Na arquitetura a coisa também começava a mudar, buscando um estilo afrancesado, muito em moda na época e dando os primeiros passos na verticalização.

1988

Ao longo deste século, o centro da cidade quase não se reconheceria mais. O processo de verticalização dominou, com a construção dos grandes edifícios. As antigas e majestosas construções da Praça XV, embora tenham sido em grande parte preservadas, parecem pequenas, engolidas pela sombra dos grandes prédios. O velho charme ainda permanece, mas o intenso movimento se multiplicou. Na década de 60 foi construído o viaduto da perimetral, cortando a vista do mar, na vã tentativa de resolver o problema do trânsito de automóveis e ônibus. O velho cais de mestre Valentim foi encontrado, desenterrado e recuperado. Curiosamente, até quase o final do século, durante a madrugada, permanecia ali uma teimosa feira de peixes, talvez para lembrar que os hábitos antigos são difíceis de desaparecer.

2002

Neste novo milênio a Praça XV comemora seu quarto centenário, preservando ainda a sua majestade. O pesado viaduto permanece, mas o caótico movimento dos ônibus que desorganizava a praça desapareceu, transferido para as pistas construídas no subsolo: o mergulhão da Praça XV. Em seu lugar ficou um grande calçadão, com desenhos em pedra portuguesa que realçam a vastidão da área e permitem uma percepção melhor da baía da Guanabara e de suas montanhas.

As barcas para Niterói e Paquetá permanecem até hoje indo e vindo, firmes e orgulhosas de sua tradição.

Por Assessoria/Instituto Eventos Ambientais (IEVA)